terça-feira, 10 de julho de 2012

O Equilíbrio e o Esforço

No passado, por volta de quatro mil e lá vai areia A.C., em um reino chamado Resin, havia um povo muito feliz e harmonioso governado por uma deusa chamada Edad, que era a deusa do bem, da alegria, do sorriso e da ingenuidade. Esta era casada com Rezar, o deus do prazer, da gargalhada e da festa. O reino de Resin era cercado por um grande muro, do qual, ninguém jamais poderia sair ou entrar sem a permissão da família real: o clã de Edad. Neste muro, existia um grande portão, que era trancado por seis chaves que nunca se separavam de Edad, a principal protetora do reino.
Este reino, Edad recebeu de seu pai Oac - deus da criação - que, a aconselhou a jamais abrir os portões para manter a pureza do local e evitar fatos inoportunos e imprevisíveis. De maneira que sempre seguiu as orientações do pai, Edad e seu reino de forma alguma conheceram o inoportuno, a tribulação, o medo, o desespero ou qualquer mal que nossa limitada concepção e classificação pudessem dar nome. Certo dia chegou às portas de Resin, o primo de Edad. Chama-se Aroh, o deus do tempo. Ele trazia consigo seu filho, o sempre emburrado Otahc, deus do tédio. Aroh – este primo de Edad - tinha uma particularidade, ele era detentor de enorme poder, podia subjugar qualquer coisa que existisse, para ele não seria problema nenhum transpassar o enorme portão do reino de Resin ou mesmo seus muros colossais, no entanto, por educação; bateu.
Edad gostava muito de Aroh, quando crianças, sempre brincavam juntos, curioso é que, ela não conseguia se lembrar de quando é que se separou do primo e nem como. Edad correu com suas chaves para abrir os portões do reino, eufórica, foi abrindo uma-a-uma cada uma das trancas do grande portão, só que quando chegou na última, vacilou... lembrou das palavras de seu pai mais uma vez, sobre não abrir os portões, não importasse o que! Mas o tempo estava às portas do reino, e Edad não se aguentava de saudade do primo. Abriu.
Aroh e seu filho Otahc entraram, Edad ficou muito feliz como era de sua natureza, os primos se abraçaram apertado e longamente, logo após, Aroh virou-se na intenção de apresentar seu filho que Edad ainda não conhecia, mas este, já estava um pouco distante deles caminhando cidade à dentro, enquanto resmungava: — Lugarzinho chato. E olhava com desdém para as belas e luminosas construções do reino chamado Resin. A certa altura, enquanto Aroh já era recepcionado com festa e fartura no palácio real, longe dali seu filho Otahc continuava caminhando sem rumo pelo reino, nesse momento, Otahc encontrava-se embriagado de uma bebida que adquirira na viagem até Resin. Para você desatento leitor, é importante lembrar que Otahc, filho de Aroh, é o deus do tédio. E imagine. Se são bastante inconvenientes os humanos sob o efeito do álcool, o que se dirá do deus do tédio. Sim, o reino de Resin, que só conhecia a harmonia, a alegria, teve todos os seus habitantes tomados por uma sensação que lhes era estranha: uma pesada sensação de tédio! As crianças não queriam mais brincar, os adultos não queriam mais conversar, ninguém mais queria sorrir, ninguém mais se deslumbrava com as paisagens do reino, tudo que era colorido se acinzentou. No palácio, Edad é dominada por algo que não entendia: o tédio, já não dava mais valor pra festa, olhava agora sem entusiasmo para seu primo que a pouco não lhe deixava parar de sorrir, não via mais graça em nada, começou a se questionar o porquê daquela festa, o porquê de ser a protetora do reino, o porquê de sorrir, o porquê de existir. Em pouco tempo, todos no reino, que agora não queriam ter atividade alguma, foram tornando-se como vegetais, todos ficavam deitados ou sentados, olhando para o nada. E de modo que o “tempo parou” naquele reino, como efeito colateral dos acontecimentos, Aroh entrou em coma sob a influência da energia do lugar. É também importante citar que, depois do tédio, veio também uma longa estiagem, os campos de Resin que davam todos os tipos de frutos sem necessitar de cultura, agora estavam secos, e veio à fome.
Muito entediada e sem vontade, mas consciente de que algo estava muito errado em seu reino, Edad resolveu consultar alguém com quem pouco falava: sua mãe, a deusa da sabedoria. Cien, a mãe de Edad, vivia esquecida em seu quarto, estava muito velha e já não podia andar. Apesar dessa realidade, não se abalava, pois já tinha vivido o suficiente para ser mais forte que a solidão. Edad chegou se arrastando ao quarto da mãe, se tudo no reino parecia tedioso, ir consultar uma velha em seu quarto, com certeza estava na lista das dez coisas mais maçantes naquele momento, porém, Edad pela primeira vez soube o que é precisar de ajuda, e essa necessidade suplantou o desânimo. Chegando no quarto de Cien, Edad encontrou-a sentada lendo quadrinhos. De alguma maneira, achava estranhos certos hábitos de sua mãe, mesmo assim sempre a respeitou muito. Sentou-se na cama da mãe e explicou em que situação se achava o reino e perguntou o que fazer. Desde criança, Edad encontrava nas palavras de sua mãe resposta para tudo, nunca tendo sido deixada na mão. Quanto a Cien, esta interrompeu sua leitura e ouviu pacientemente a filha. Respondeu o seguinte:
— Edad minha filha, o que tu precisas para salvar teu reino? Aqui está. Disse Cien dando um papel para sua filha.
Edad pegou o papel que continha um número de telefone, e meio confusa e desconcertada disse:
— O que isso minha mãe?! Número “145 disque amizade”???!! Mas o que... — É simples minha filha, todos no teu reino estão torpes sob o efeito do tédio, o que tu precisas é ter contato com alguém que esteja fora destes muros, tu precisas de alguém para puxar-lhe deste poço contaminado. Edad achou à ideia descabida, sem propósito, sem saber o que dizer, saiu do quarto, trancou a porta e jogou a chave fora. Um tempo depois, apesar da reação tempestiva que teve com sua mãe, ainda achava-se perdida, sem saber o que fazer e, não tendo nada a perder, pôs em prática a sugestão da mãe e sem entender muito porque estava fazendo aquilo, ligou para “145 disque amizade”. Então, numa conversa conheceu Ezert, um deus de outro reino, o deus da tristeza, do fracasso, da perfídia. Ezert falava muito bem, tinha um domínio da retórica como nenhum outro, além de uma capacidade de persuasão que beirava o surreal. Depois de não muitas conversas, Edad estava absolutamente encantada por Ezert, as palavras dele a seduziam, deixavam seu corpo quente, sua cabeça confusa e sua respiração dificultosa. Com o tempo, decidiram se conhecer, mais uma vez Edad desobedece seu pai e abre os portões de Resin - desta vez usando de maior sigilo - para a entrada de Ezert.
Passa o tempo e tornam-se amantes. Passa o tempo e Edad acaba engravidando de Ezert. O deus da falsidade, quando toma conhecimento do fruto de sua aventura, resolve desaparecer. É importante citar que, desde que Ezert colocou o pé a primeira vez em Resin, começou uma tempestade que nunca parava. Quanto a Edad, quando descoberta sua traição e gravidez, é abandonada por todos e seu pai tomado por fúria, amaldiçoa a criança em seu ventre.
Edad vai viver numa casa simples no campo onde dá a luz prematuramente a uma criança disforme e com problemas mentais, que apesar de tudo ela cria com carinho e também com muita dificuldade, a criança é batizada Bastar. No dia do nascimento da criança feia, a chuva finalmente parou, o tédio cessou, as pessoas do reino começaram a trabalhar e com o trabalho puderam novamente comer.
Bastar no decorrer de sua vida traz grandes tribulações para sua mãe tendo diversos acessos de pânico e agressividade, e num desses, ataca a mãe com um machado, Edad é cortada em vários pedaços pelo próprio filho que leva esses pedaços para o mais alto monte do reino e lá os enterra bem escondidos.
Desde então, toda vez que algum mortal quer alcançar valiosas conquistas e a cobiçada felicidade, precisa dar uma grande caminha até o mais alto monte e encontrar um pedaço de Edad. Porém essa caminhada nunca é fácil e nem sempre agradável, posto que a sabedoria permanece trancada em seu quarto.

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